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O direito à escolha profissional de pessoas com deficiência intelectualHistoricamente o trabalho tem sido associado a um status de valoração social, por meio do qual a pessoa que exerce determinada função acaba por adquirir um valor (muitas vezes, literalmente), que por sua vez a qualifica frente à e na sociedade. Assim, o trabalho passa a ter uma função ideológica, além de sua função elementar, que seria de subsistência ou manutenção da família.

A lógica do serviço em troca de dinheiro, refinada pela Revolução Industrial, em tempos de costumes tão capitalistas, parece se revestir de uma importância fundamental, em que certos tipos de serviço são mais valorizados que outros. É compreensível e honesto que pessoas que tenham investido tempo e dinheiro em sua formação entrem no competitivo mercado de trabalho e busquem retorno de seu investimento e lucro com sua atividade, afinal nossos tempos são de costumes tão capitalistas. Assim, o que se percebe é que os trabalhos especializados, de caráter intelectual, parecem se situar no topo (alto e estreito) da pirâmide de valores em detrimento dos trabalhos manuais e físicos, sendo que esses últimos são destinados às pessoas com níveis inferiores de educação e especialização.

Ainda no que se refere à essa lógica, os serviços mais especializados em geral são também os que mais sofrem a influência da tal valoração social. Por isso mesmo, são os preferidos daqueles que têm a possibilidade de escolher uma profissão e uma carreira e isso pode ser observado nas listas de relação candidatos/vagas dos vestibulares, nos cursos que figuram entre as mais concorridas.

Assim, essa dinâmica profissional e suas repreentações acabam influindo também sobre o importante status psicológico que o trabalho sustenta, sendo a definição vocacional/profissional uma das tarefas desenvolvimentais da pessoa. Não é incomum se ver em situações em que uma apresentação pessoal é necessária a exposição do nome da pessoa juntamente com sua profissão. Ou seja, a profissão a identifica tanto quanto seu próprio nome: a pessoa é o que ela faz.

Nesse sentido, esse “desafio” desenvolvimental, que em geral se impõe numa época da vida em que não necessariamente se tem a clareza do que se quer e nem do que se pode, sofre também pressões externas significativas. A cobrança social em torno do “o que você vai ser quando crescer?” se reveste de um caráter profundo e muitas vezes cruel, que se inspira na possibilidade que uma parcela ainda pequena da população tem de realmente escolher uma profissão ou um curso universitário e de se formar em uma especialidade.

Esse cenário é um potencial produtor de angústias, uma vez que aqueles que não têm o direito ou possibilidade de escolher sua profissão automaticamente são valorados pela sociedade como trabalhadores “de segunda”, que muitas vezes têm de se sujeitar a trabalhar não no que gostam, não no que têm interesse, nem no que têm habilidade, mas no que tiver para fazer, onde houver vaga. E assim, a relação homem-trabalho reveste-se apenas do que há de objetivo na lógica “serviço em troca de dinheiro”, sem o aspecto da satisfação, do prazer, do bem-estar.

É claro que o fato de simplesmente se poder escolher uma carreira não garante a satisfação em exercê-la, tampouco o direito de exercê-la de fato. Cotidianamente, são vários os exemplos de pessoas especializadas, “formadas”, mas que acabam por não atuar na área escolhida, procurando outras opções de trabalho que proporcionem a subsistência, ainda que não promovam crescimento ou prazer. Afinal, a realidade se impõe!

Pode-se observar, portanto, que parece existir uma tendência (embora não seja regra) de que as pessoas com menores níveis de instrução técnica assumam cargos, funções ou empregos com menor valoração social (e financeira), com uma maior probabilidade de insatisfação laboral, e consequentes psicopatologias provenientes dessa situação.

Não se pretende afirmar que a possibilidade de escolha de uma profissão, por si só, seria a cura de todos os males do mundo do trabalho. Sabe-se bem que uma infinidade de fatores exerce influência e é influenciada pelo e no espaço laboral. Entretanto, afirma-se que a possibilidade/direito de se escolher o trabalho, levando-se em conta o ajustamento entre as características da pessoa e as exigências da atividade, favoreceriam uma melhor qualidade de vida, e consequentemente maior produtividade.

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